1. Visão
Havia um trem andando sobre os trilhos, numa
paisagem repleta apenas de árvores e campos vazios. Era madrugada e a lua
brilhava no céu, parcialmente encoberta por nuvens densas. O sopro gelado
passeava pelas janelas do trem, especialmente em uma, toda aberta, deixando o
vento frio adentrar a cabine. Havia apenas um passageiro no vagão. Ele deixava
o cabelo ricochetear em seu rosto pelo vento vindo da janela escancarada.
Era um homem jovem. Mas era difícil ver seu
rosto, pois os cabelos grandes e escuros o encobriam à medida em que o vento
batia neles em sentido oposto. Ele não parecia ligar para o frio que fazia,
parecia gostar de estar sozinho na companhia da brisa noturna.
Seus olhos finalmente se cansaram de ver a
paisagem escura e monótona. Fechou-os e inclinou suavemente a cabeça para trás,
para encostá-la no banco. O vento ainda brincava com seus cabelos quando o trem
parou.
Os olhos do homem se abriram por reflexo,
porque ele tinha certeza de que ainda não tinham chegado ao destino final. E
não havia escala. O homem não conseguia imaginar os motivos para o trem ter
parado tão de repente, nesse lugar vegetal, onde nem havia estação.
Finalmente começou a notar o frio. Mas
talvez seu tremor não estivesse relacionado à temperatura ou ao vento, e sim ao
som de passos chegando mais perto.
Não era a movimentação de passageiros, já que não havia mais nenhum além dele próprio, pelo que sabia. Congelado no banco, o rapaz não conseguiu olhar para trás. Temia o que veria. A porta do vagão tinha sido aberta silenciosamente, alguém o invadira.
Não era a movimentação de passageiros, já que não havia mais nenhum além dele próprio, pelo que sabia. Congelado no banco, o rapaz não conseguiu olhar para trás. Temia o que veria. A porta do vagão tinha sido aberta silenciosamente, alguém o invadira.
Eram passos cautelosos, vindo diretamente
para as primeiras filas de poltronas, onde ele estava: o homem de cabelos
escuros encoberto pela escuridão da noite, que tremia compulsivamente – porque
talvez ele soubesse o que esperar.
E no instante seguinte ele encarava dois
homens grandes e fortes, que usavam toucas cobrindo toda a cabeça, permitindo
que se vissem apenas seus olhos sombrios. O viajante se ergueu do acento,
pensando em gritar. Mas antes que tivesse tempo para isso, os silenciosos
encapuzados o amordaçaram e amarraram seus pulsos. Rápida e cautelosamente,
esgueiraram-se pelo corredor, carregando o jovem, e pularam do trem já em
movimento, levando o rapaz.
Acordei
assustada, fazendo o possível para manter em meu peito o grito que se formara.
Ofegando,
sentei-me na cama e esperei que meus batimentos cardíacos voltassem ao normal;
o grito também não saiu. Então comecei a chorar, mas tentei ser silenciosa,
para que minha mãe ou minha irmã não ouvissem.
Não
conseguia acreditar que aquele pesadelo estava começando de novo. E era quase
que literalmente um pesadelo. Mas eu sabia bem demais que eram minhas visões. E
era isso que me incomodava, porque não me importava de sonhar com coisas ruins,
se eu sabia que era tudo mentira. Mas com minhas visões era diferente. Era real
demais, e era verdade. Algo assim iria acontecer com alguém, talvez essa noite
mesmo. Talvez estivesse começando nesse instante...
Bem,
é isso. Eu sou vidente.
Não
é uma palavra que eu goste muito de usar para nomear isso, mas é a que todo
mundo entende. Não que muitas pessoas saibam que tenho esse dom, mas todo mundo
já se habituou a chamar aqueles que veem o futuro de videntes – o que não me
agrada muito, porque a imagem de vidente que sempre aparece na minha cabeça é a
da mulher com um turbante, que atende pessoas em tendas, em troca de dinheiro
não merecido. É não merecido porque a maioria delas é charlatã, não tem poder
sensitivo nenhum e abusa da ingenuidade de pessoas iludidas. Não que não haja videntes
sensitivas de verdade nesses lugares, mas tanto faz.
Tanto
faz porque eu não uso um lenço na cabeça e nem fico misturando cartas de tarô.
Além
do mais, não se deve cobrar por esse tipo de serviço – pelo menos foi o que
aprendi em meus dezoito anos. É algo que se faz de graça para as pessoas a quem
se quer ajudar. Porque se você vê um destino ruim para alguém, é legal avisar a
essa pessoa, para que ela mude de ideia quanto a alguma decisão que tomou.
Por exemplo, se alguém resolveu viajar de carro para o Arizona e você ficou sabendo por meio de uma visão que o carro dessa pessoa vai bater nos trinta quilômetros finais da viagem, avisaria a ela, para que desistisse da viagem o quanto antes?
Por exemplo, se alguém resolveu viajar de carro para o Arizona e você ficou sabendo por meio de uma visão que o carro dessa pessoa vai bater nos trinta quilômetros finais da viagem, avisaria a ela, para que desistisse da viagem o quanto antes?
Pelo
menos é o que eu faria. É o que eu faço sempre. É o que estou destinada a fazer
para o resto da minha vida – e sem cobrar nada.
(...)
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